Quarta-feira, 23 de Abril de 2014

[Word of Mouth] David Moyes, PR, digital e jornalismo

  

 

David Moyes, PR, digital e jornalismo

 

por: Carlos Martinho

Editor de Conteúdos da GCI

 

Ontem, às 13h42, o Financial Times publicou no site um artigo do seu colunista de futebol, Simon Kuper, sobre a saída de David Moyes do Manchester United, oficializada quatro horas antes. O artigo, uma espécie de obituário desportivo há muito previsto, divaga sobre o falhanço do treinador escocês naquela que é “a empresa britânica que mais atenção da imprensa recebe”, o Manchester United.

 

Kuper, autor de referência para quem gosta de futebol, revela que Moyes falhou porque, ao contrário de Sir Alex Ferguson, não tem vocação para as public relations. “Gerir um clube [destes] é, em grande parte, um trabalho de public relations. (…) Moyes chegou de um clube mais pequeno, o Everton, e não tinha o estatuto para renovar a equipa. Depois, quando os seus jogadores mais velhos vacilaram, deixando o United no sétimo lugar, a sua própria imagem (PR) falhou”, explica Kuper.

 

Segundo o autor, Moyes não teve coragem, ou a qualidade de comunicação, para confrontar os veteranos numa batalha de PR. Por outras palavras: quem é David Moyes ao pé de Rio Ferdinand, Ryan Giggs – sobretudo estes dois -, Patrice Evra, Nemanja Vidic ou Michael Carrick?

 

O artigo pode ser lido aqui e explora outros temas ligados à comunicação e imagem, como o rosto perplexo de Moyes quando as câmaras de TV o procuravam depois de um golo sofrido, em contraste com a raiva contagiante de Ferguson, um génio das PR.

 

No entanto, o que é mais notável neste artigo de Simon Kuper – e é, na verdade, o que me traz ao PiaR – é a forma da sua veiculação e não o conteúdo. Como referi, o artigo foi colocado online às 13h42 de ontem. Hoje, o Financial Times repescou-o para a sua edição impressa – e logo para a capa.

 

O artigo de Kuper recebe honras de primeira e segunda página, ainda que estivesse há várias horas disponível online – não estava barrado pela paywall, curiosamente. Ou seja, o FT colocou em prática a tão anunciada primazia do digital sobre a edição impressa – o jornal poderia ter “guardado” o artigo de Kuper para publicar na edição impressa e, então, espalhá-lo pelo digital, mas escolheu a via inversa.

 

Esta decisão vem na sequência da estratégia apresentada pelo FT em Outubro, que dá prioridade à edição online: desde o início do ano que grande parte da redacção do FT está alocada à produção noticiosa para online e os artigos são publicados para coincidir com os picos de tráfego. Deixam de existir também as horas de fecho tradicionais – será que a percentagem de divórcios nesta classe vai finalmente descer? – e todos tiveram de mudar os seus horários de trabalho, incluindo paginadores e designers.

 

Se o FT queria, com esta estratégia, ser menos reactivo, está a consegui-lo. A saída de David Moyes poderá ter sido o ponto de partida para uma nova forma de pensar o digital por parte de um dos porta-aviões da imprensa mundial. Outros certamente se seguirão, mal – e se – se comprove que este é o caminho certo.

 

Simon Kuper termina o seu artigo com uma afirmação, no mínimo, curiosa: “O maior problema do Manchester United não é Moyes, mas sim o dinheiro”. Na imprensa, o maior problema também não é a ameaça dos conteúdos digitais, como muito dizem, mas sim a forma como os media abordam ou contornam os seus desafios. E para isso, em vez de desinvestir, é preciso pensar estrategicamente os conteúdos. Dos colossos aos de nicho. 

publicado por Alexandre Guerra às 15:33
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