Jornalismo alinhado ou liberdade editorial?
por: Nuno Gouveia
Autor de uma tese de mestrado sobre as eleições presidenciais americanas de 2008.
Os jornais anglo-saxónicos há muito que assumem as suas posições políticas em contextos eleitorais. O “endorsement” de um jornal a um candidato ou partido faz também parte do processo político. Na semana passada alguns jornais ingleses foram notícia em todo mundo pelas suas mudanças de apoio: o The Times, que desde 1992 apoiava o Labour, passou formalmente a apoiar os Tories, e o The Guardian, baluarte do jornalismo de centro-esquerda inglês, declarou o seu apoio aos Liberais-Democratas, contrariando a sua tradição de apoio ao Labour. Ano passado o The Sun, que desde 1997 suportava o Labour, já tinha mudado a sua posição em favor dos Tories. Estas mudanças nem sempre acontecem pois a maior parte dos jornais ingleses, e também americanos, têm uma linha ideológica definida e normalmente apoiam sempre os candidatos da mesma área política. Mas já em 2008, ano em que Barack Obama protagonizou um movimento de mudança nos Estados Unidos, vários foram os jornais que normalmente apoiavam os candidatos republicanos a mudar o seu apoio para o democrata. O Houston Chronicle e o Chicago Tribune foram os exemplos mais conhecidos, principalmente este último, que desde sempre esteve ao lado de candidatos presidenciais republicanos. Mas o que significa este alinhamento político dos quadros editoriais dos jornais?
É muito difícil descrever o impacto destes “endorsements” em termos eleitorais, mas existem vários estudos americanos que apontam que as suas consequências são mínimas. Um estudo de 2004 de Stephen Ansolabehere, Rebecca Lessem e James Snyder Jr. do MIT, apontava que uma das razões deste impacto diminuto é que os leitores de jornais são normalmente pessoas bem informadas e atentos à realidade política, e por isso, não mudam de opinião pelos editores apoiarem determinado candidato. Mas os jornais anglo-saxónicos, que normalmente se colocam no meio da discussão politica, e apesar de muitos deles fazerem jornalismo credível (o New York Times é considerado um símbolo do jornalismo de centro-esquerda e nem por isso deixa de ser considerado um dos mais credíveis do mundo), em tempo de eleições divulgam as suas preferências politicas aos seus leitores. Isso torna-os transparentes e honestos, pois não se escondem sob o manto de uma pressuposta independência que raramente existe. Ao assumirem o apelo ao voto num determinado candidato, como fizeram o The Guardian e o The Times, estão a manifestar uma clara preferência política. Isso quer dizer que são menos íntegros que outros que não o fazem? Nada disso. Um jornal deve separar o que é o jornalismo (e este deve ser independente da ideologia ou luta politica) e aquilo que é a opinião editorial. Jornais como o The Times, o The Guardian, o New York Times ou o Washington Post, para citar apenas alguns exemplos, não perdem credibilidade por tornarem públicas as suas opiniões.
No entanto, especialmente nos jornais tablóides, também há quem não faça distinção entre estas duas vertentes, e utilize o jornalismo para fazer política. E aqui surge o verdadeiro risco do jornalismo alinhado e tendencioso. A minha posição é que se a opção for assumida, a liberdade dos leitores estará mais defendida. O que será pior? Um jornal que diz que apoia um partido e defende a sua agenda, ou um jornal que se diz independente, mas que contém notícias tendenciosas?
Em Portugal não temos esta tradição. Os jornais assumem uma equidistância em relação à politica, e nem sequer temos jornais de tendência. Tivemos um exemplo (o Independente) que chegou a ter sucesso durante algum tempo, mas depois terminou mal. Apesar desta realidade, todos percebemos que existe um alinhamento politico em alguns dos nossos jornais. Há um conhecido diário que foi muito próximo do governo de Durão Barroso e que agora é considerado próximo do governo de José Sócrates. Isto não é alinhamento ideológico, mas sim alinhamento pelo poder. Não revela aquilo que vemos nos Estados Unidos ou Reino Unido. E mais do que isso, não permite que os seus leitores conheçam as suas opções politicas. Que quase sempre existem. Tudo seria muito mais transparente se os nossos jornais assumissem posições políticas ou ideológicas. Por uma questão de honestidade perante os seus leitores. Estes serão sempre livres para tomar as suas opções politicas.
Esta é uma discussão que abarca muitas vertentes e que não se esgota num post. Eu assumo que prefiro jornais que assumam posições políticas, mas que façam um jornalismo desligado das lutas políticas. Nem sempre isso é possível, mas é melhor isso do que ter jornalismo “isento” e “imparcial” que apenas o é no campo das intenções. Por isso sou adepto do jornalismo anglo-saxónico do estilo do Sunday Telegraph ou do Washington Post. Quando leio os seus editoriais identifico claramente as suas opções politicas e ideológicas, mas também sei que o seu jornalismo tende a ser honesto. Não digo que seja sempre isento, mas ser isento e honesto não é bem a mesma coisa.
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